Antes de se deitar, o estudante de Direito Rodrigo Codes, 25 anos, tinha certeza que havia deixado a carteira em cima da mesa da sala. No dia seguinte, bem cedo, não a encontrou mais lá. Cismado, indagou à irmã. Acabou ouvindo como resposta outra pergunta. “E você, pegou meu laptop?”.
Naquele momento, a mãe deu por falta do outro computador. O pai, das duas máquinas fotográficas digitais. “E cadê o rádio-relógio?”, emendou Rodrigo. Foi quando, juntos, todos chegaram à mesma conclusão: haviam sido roubados durante a madrugada. Ninguém percebeu qualquer movimento suspeito.
Naquela noite, há uma semana, a casa 7, onde Rodrigo mora com a família, entrava para uma extensa lista de imóveis invadidos por ladrões na Rua da Ilha, em Itapuã. Em um ano, a rua de classe média, com pouco menos de 1 quilômetro de extensão, teve pelo menos dez casas arrombadas. O levantamento é dos próprios moradores, que fazem coleções de boletins de ocorrência registrados na 12ª Delegacia (Itapuã).
“A coisa tá feia. Depois de 35 anos que minha família mora aqui, vamos ter que aumentar o muro e colocar cerca elétrica”, lamenta Rodrigo, ao lado dos pedreiros que já realizavam a obra. Do jeito que a Rua da Ilha anda cercada de insegurança por todos os lados, a casa do estudante, sem maiores proteções, até demorou muito para ser assaltada. Há residências que contabilizam duas, três invasões.
Geralmente, os bandidos agem da mesma forma. São discretos. Sequer são vistos. Não há uma regra de horário para os ataques, mas existe uma preferência. “Chamamos aqui de ‘a hora do ladrão’. Entre 2h e 3h da manhã, quando o sono está mais pesado”, diz o funcionário público Raimundo Coutinho, que em agosto do ano passado teve a casa invadida de madrugada.
Após jantar fora, Raimundo chegou em casa por volta de 1h. “Tomamos uma garrafa de vinho antes de dormir. Pra quê? O sono pesou demais”, diz o funcionário público. Na manhã seguinte, sentiu falta de notebook, celular, máquina fotográfica e R$ 350.
Os bandidos haviam pulado o muro lateral, pela casa do vizinho, de quem já tinham roubado uma quantia em dinheiro e assaltado, vejam só, a geladeira. “Fizeram um lanche na cozinha e levaram até as frutas”, conta Armênio Bordim, 54 anos, que agora conta com a guarda de Tum, um pit bull.
Limpa
O dono da residência de número 46, José Souza Menezes, conta que já foi invadido três vezes. Os ataques são a prova de que os bandidos não escolhem o que roubar. Carregam o que encontram pela frente. Nas duas primeiras vezes, ano passado, subiram pelo muro do vizinho e levaram roupas, sapatos e, novamente, frutas. Na última vez, este ano, roubaram um botijão de gás e materiais de construção.
“Fizeram a limpa. Carregaram máquina de furar, carrinho de mão e até fios elétricos da obra que estava fazendo”. No caso de seu José, o prejuízo não foi apenas com os arrombamentos. Além das três invasões, a família teve três carros roubados, outro problema frequente na rua (ver box). “No último, me deram uma coronhada”.
Basta bater na porta das casas. É difícil encontrar alguma que não tenha sido invadida. No mês passado, o comerciante Ademário Brasil sequer ouviu o portão da garagem ser arrombado. Dormia no andar de cima enquanto os ladrões “faziam a festa” no andar de baixo. “Levaram aparelho de som, óculos e uma boa quantia em dinheiro”, relata.
Nem os moradores do único condomínio fechado da rua escaparam dos ladrões da madrugada. De 2012 para cá, três casas foram assaltadas, contam. Numa delas, Roque Muniz de Brandão, 81, dormia com filhos e netos na hora da invasão. Levaram R$ 4 mil em eletrônicos. “O susto você só toma no dia seguinte. A Rua da Ilha está entregue”, reclama. Após os assaltos, o condomínio instalou cerca elétrica e câmeras, além de seguranças 24 horas.
Nem todos têm a sorte de só saber que foi assaltado de manhã. Há um ano, uma idosa, que não quis se identificar, narra que saiu correndo da própria casa quando, por volta das 21h, viu um ladrão entrando. “Eu mesma não ia enfrentar ninguém. Aí saí correndo. Levaram besteira, mas só o susto…”.
As poucas casas comerciais da rua também sofrem. O minimercado Ilhabela contabiliza oito assaltos — três este ano. O último não tem 30 dias. Em metade, os bandidos arrombaram as portas na madrugada. “Quando eles não entram na tora, chegam armados. Levam dinheiro, cigarros, bebidas”, diz o dono, Reinaldo Coutinho.
Nem sempre o roubo se dá às escondidas. No início deste mês, a única farmácia do bairro foi assaltada às 9h. O funcionário Edmar Queiroz teve que passar todo o dinheiro do caixa. “Botaram uma arma na minha cintura”, conta.
Moradores gastam com vigilância e vivem em ‘prisões domiciliares’
Muitas das vítimas de assalto na Rua da Ilha são antigos moradores que simplesmente insistem em ficar. Para isso, têm que investir alto em segurança. Rodrigo Codes, que teve a casa invadida semana passada, vai gastar R$ 3 mil para aumentar o muro e instalar cerca elétrica e alarme. Dezenas de moradores já fizeram o mesmo há muito tempo.
Há quem aposte em soluções mais baratas. O comerciante Alex Sandro dos Santos, 34 anos, adquiriu dois cães depois que sofreu uma tentativa de arrombamento. “Da última vez, o ladrão trouxe uma fêmea no cio para distrair os cães. Mesmo assim, um deles latiu sem parar e eu acordei. Aí o cara foi embora”, conta.
Vários moradores parecem viver presos. Há casas com grades suspensas no teto, entre o muro e o telhado. Câmeras de segurança estão por toda parte. “Moramos em prisões domiciliares”, ilustrou Alex Sandro dos Santos. O CORREIO não conseguiu falar com a administração do condomínio Bosque de Itapuã, um dos que mais investiram em prevenção. “Aqui é mais difícil de assaltar. Mas tem um mês que roubaram o carro de um morador antes de entrar no portão”, conta o porteiro, que também já foi assaltado. Aliás, aconteceu o mesmo com o administrador.
Ilha dos Ratos: ‘Rua é cercada por áreas de tráfico de drogas’, diz comandante da 15ª CIPM
O que torna a Rua da Ilha uma das mais visadas de Itapuã é a sua localização. A opinião é do major André Borges, comandante da
15ª CIPM, responsável pelo policiamento ostensivo. “A Rua da Ilha é uma via de classe média que tem em suas margens o Alto do Coqueirinho e o chamado KM-17, locais de intenso tráfico de drogas”. O major garantiu que vai intensificar o policiamento no local e pretende se reunir com os moradores para montar uma estratégia de prevenção.
‘Alguém falou comigo?’, responde agente sobre investigações
Apesar do medo de represália da maioria, alguns moradores da Rua da Ilha fizeram questão de mostrar os Boletins de Ocorrência registrados na polícia. O delegado titular da 12ª DT, Antônio Carlos Magalhães Santos, disse, no entanto, que assumiu o cargo há um mês e passou a incumbência de explicar o que será feito para combater os assaltos ao Serviço de Investigação (SI) da unidade.
O chefe do SI, Júlio Oliveira, por sua vez, disse não estar ciente de tantas ocorrências. “Não temos conhecimento”, afirmou. Informado de que os moradores haviam registrado os BOs, o investigador disse que precisa ser comunicado pessoalmente. “Mas alguém falou diretamente comigo?”, argumentou. Os moradores questionam também a atenção recebida na delegacia e, reconhecem, não registram mais boletins. “Minha casa foi assaltada três vezes. Na primeira, gastei mais de duas horas e meia para registrar queixa. Não tive nenhum retorno. Vou voltar para quê?”, indagou o morador José Menezes.
Joselito Guimarães, membro do Conselho Comunitário de Itapuã e morador da rua, diz que a polícia não inspira confiança. “Calculamos 15 assaltos em Itapuã todos os dias. As pessoas perderam a confiança na polícia, aí não denunciam”. Sobre o atendimento na delegacia e o desconhecimento das ocorrências, o delegado garante que, desde que assumiu a unidade, tudo funciona normalmente. “Não posso responder pela gestão anterior”, afirmou.
Região é recordista de roubos de carros
A Secretaria da Segurança Pública (SSP) e a 12ª Delegacia (Itapuã) pediram tempo para levantar dados de assaltos a casas no bairro. No site da SSP, a Área Integrada de Segurança Pública (Aisp 12), que envolve Itapuã, Alto do Coqueirinho, São Cristóvão, Bairro da Paz e outras localidades, é campeã de roubos de carros – 854 em 2012. A 2ª colocada, Aisp 11 (Tancredo Neves), teve 782.
Fonte: Correio da Bahia