Casa que foi de Jorge Amado em Itapuã será leiloada neste sábado

Já imaginou tomar café da manhã de frente para o mar de Itapuã, na mesma varanda onde descansava Jorge Amado? E colocar os pés para cima na sala onde o baiano sentava com sua máquina de escrever? Junte aí três quartos, uma piscina e uma área de mais de 1,4 mil m²… Se interessou? Pois, basta dar um lance mínimo de R$ 1,5 milhão.

Esse é o menor valor possível que alguém tem que desembolsar para arrematar a casa nº 1.000 da Rua Lagarto Azul, na Pedra do Sal – imóvel que pertenceu à família Amado por pouco mais de dez anos, do final dos anos 70 até 1989. Amanhã, a partir das 10h, ela vai a leilão.

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Foto: Mauro Akin Nassor

Apesar de nunca ter deixado de lado a residência no Rio Vermelho e de o imóvel de Itapuã funcionar, principalmente, como uma casa de veraneio, Jorge chegou a morar lá, por alguns anos, ao lado de sua esposa, a escritora Zélia Gattai, que morreu em 2008.

Em 1989, o casal vendeu o imóvel a um alemão, que foi o proprietário até o ano passado. Foi quando um empresário baiano se tornou o novo dono das chaves.

Tranquilidade

Na época em que se mudou para Itapuã, Jorge só queria um lugar mais calmo para escrever. No Rio Vermelho, onde morava, isso estava mais difícil a cada dia. “Ele não conseguia ter tranquilidade. Por isso, comprou a casa em Itapuã para ter um lugar para escrever sem ser incomodado”, lembra a neta do baiano, Maria João Amado.

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Foto: Mauro Akin Nassor

Daí, quando um grupo de amigos se interessou pela até então desconhecida praia da Pedra do Sal, em Itapuã, apareceu a oportunidade perfeita. “Mamãe gostava de praia, mas papai não. Só que vários amigos dele compraram e dois pediram para o papai comprar”, conta a filha do casal, Paloma Amado.

Não foi um pedido de qualquer um. Os amigos eram ninguém menos do que o artista plástico baiano Carlos Bastos, morto em 2004, e Pelé (ele mesmo, o Rei do Futebol). “Pelé comprou um terreno lá, mas nunca construiu, nem foi lá morar”, diz Paloma. Carlos, por outro lado, não podia ter ficado mais perto: morou na casa vizinha até sua morte. Depois, o imóvel foi vendido e completamente restaurado.

A casa foi construída do zero, já que eles compraram só o terreno. Pouco depois, já tinha virado ponto de encontro: também andavam por lá o ilustrador Calazans Neto, o músico Juca Chaves e o artista plástico Carybé. “Meu pai ia com frequência, porque ele e Jorge eram muito amigos. Eles se falavam quase que diariamente”, diz a filha de Carybé, Solange Bernabó.

Arquitetura

Apesar de o condomínio ter mudado muito, a casa de Jorge continua praticamente a mesma, segundo a leiloeira responsável pela venda, Tânia Abreu. “O jardim foi reformado e a fiação foi trocada, mas continua a mesma arquitetura. Antes, a casa era toda de fibra. Os ale mães trocaram as paredes para alvenaria, mas o resto é igual”, explica Tânia, que também foi vizinha dos Amado.

“Como éramos amigos de Carlos (Bastos), conheci e frequentei a casa dos Amado. Mas minha maior lembrança é a imagem de Jorge e Zélia, de mãos dadas, caminhando de manhã, todos os dias pela Pedra do Sal”, relembra.

A piscina também pode ser colocada na conta dos alemães, que moraram lá até o ano passado, de acordo com Maria João. “Já tinha a área verde, onde fazíamos encontros de família. Eu ia mais aos finais de semana, quando minhas primas estavam aqui”.

Livros

Foi em meio a essas reuniões de família que Zélia estreou como escritora. De Itapuã, tirou inspiração para seu primeiro livro, Anarquistas, Graças a Deus. “Ela tinha uma mesa no quarto e escrevia, depois lia para a gente”.

Já Jorge preferia a escrivaninha da sala. “Ele sentava e passava o dia escrevendo. Lembro de ele ter escrito A Bola e o Goleiro lá”, conta Maria, referindo-se ao livro infantil lançado em 1984.

Já faz tempo que os Amado não têm contato com o imóvel, mas as lembranças são muitas. “Lembro da casa cheia, com os adultos jogando Dicionário na mesa da sala”, conta Maria João, referindo-se ao jogo onde os participantes devem dar o significado de palavras.

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Foto: Mauro Akin Nassor

O problema foi que a tranquilidade não durou muito – depois que agências de turismo descobriram a casa, o refúgio de Jorge foi parar nos holofotes. “Botaram a casa nos roteiros e começou a parar ônibus de turismo lá. Ele não conseguia mais a tranquilidade”, diz a neta.

Daí, foi o momento de vender a casa e os alemães entraram em cena. Até que, no ano passado, eles decidiram voltar à Europa, segundo Tânia Abreu, a leiloeira.

Que casa?

Hoje, já não dá para dizer que essa badalação ainda existe. Quando a reportagem do CORREIO tentava encontrar a casa de Jorge Amado, ontem, teve todo tipo de indicação – menos a certa. “Essa casa é no Pelourinho, não?”, disse um morador de Itapuã. “Vocês não estão procurando a casa de Vinícius (de Moraes), não?”, perguntou outro.

Não, era a de Jorge Amado mesmo. Mas, para o atual dono, o empresário Robert de Almeida, que comprou a casa na mão dos alemães – também em um leilão – isso não muda nada. “A casa transmite uma energia muito boa, uma paz fenomenal”, conta ele.

Ainda assim, ele quer vender a casa porque diz quase não usar. “Tenho uma construtora e vivo comprando e vendendo imóveis. Comprei (a casa de Jorge) com a intenção de fazer uma coisa temática, mas nunca consegui usar. Tenho quatro casas e não dá para ficar com um caseiro”, explica.

A escolha pelo leilão, ao invés de uma venda comum, foi justamente pelo antigo dono ter sido quem foi. “A casa que é colocada para vender nem sempre atinge o público que valoriza a origem. Agora, valorizamos quem se interessa por cultura. Sem contar que o leilão valoriza. A venda comum pode baixar o preço”, diz ele, que espera que o imóvel seja arrematado por mais do que o lance inicial.

E, segundo o empresário, alguns possíveis compradores já estão de olho. Entre os “três ou quatro” interessados, segundo o atual dono, há mais um artista: Carlinhos Brown. “Somos amigos e ele adora a casa, até porque ele pinta”.

Apesar de o preço assustar, o segundo vice-presidente do Conselho Regional de Corretores de Imóveis da Bahia (Creci-BA), José Alberto de Vasconcellos, diz que o valor tem que ser por aí mesmo.

“O leilão é feito com bens diferenciados. Um imóvel na beira da praia, em Itapuã, com um terreno desse tamanho, já é diferenciado. Mas ainda tem todo o emocional e o valor histórico”, comentou. Nesse caso, é melhor preparar o bolso. Dou-lhe uma…

Fonte: Correio 24 horas

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