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O fechamento da fábrica da Ford, em Camaçari, pegou os baianos de surpresa e não deixou de ser um banho de água fria neste momento econômico tão delicado que passamos. É o fim de um ciclo entre a multinacional e a Bahia, que começou em 2001, com a vinda da montadora para o polo. Não, pera. Podemos até falar do fim da relação, mas a Ford tem uma ligação com Salvador bem mais antiga, precisamente nos anos 60, graças a uma singela placa publicitária que acabou dando nome a uma das praias mais belas da capital: Placafor.
Sabemos que o GPS do baiano sempre foi o ponto de referência. Pois bem. Na década de 60, quando a orla soteropolitana ainda era pouco explorada entre a Pituba e Piatã, a Ford colocou uma placa publicitária, na época chamada reclame, onde hoje é um posto de gasolina em Piatã. O local ainda era pouco explorado, apenas com areia, mato, coqueirais e uma estrada de barro que ligava o aeroporto ao centro. Foi aí que nasceu a primeira relação entre a Bahia e Ford.
“Frequentei muito e surgiu de forma espontânea. Quando queríamos nos encontrar em Piatã, era automático: ‘nos encontramos na placa da Ford’. Adoramos abreviar as coisas e passamos a chamar de Placaford. Com o tempo, a placa se partiu bem na letra D. Aí ficou Placafor”, diz o historiador Chico Senna.
Não se sabe o motivo que levou a Ford colocar uma placa publicitária ali. “Estamos falando de anos 60. Logicamente, a Ford não tinha fábrica aqui. Tinha apenas duas lojas que vendiam carro da marca no centro. Não sabemos se a placa rendeu boas vendas, mas virou uma peça histórica importante em Salvador”, afirma Chico. A placa ficou no mesmo lugar até meados de 1974, até desaparecer. Ninguém sabe se alguém arrancou para pendurar na parede de casa ou caiu por conta do desgaste natural do tempo e do surgimento de novas construções em Piatã. O reclame passou a ser apenas uma vaga lembrança da turma que curtia a praia.
Único registro?
Foi graças a uma carioca que a Placa da Ford não se tornou apenas uma lenda urbana ou culhuda de algum baiano. Quer uma prova que ela existiu? Basta dar um Google. Somente uma foto da dita cuja aparece na pesquisa. Um click de dona Ayeska Paulafreitas acabou sendo o único registro conhecido sobre a placa. A fotografia é de fevereiro de 1967 e mostra dona Ayeska em primeiro plano, ao lado do seu noivo, Toninho Lacerda.
“Sou carioca e morava no Rio. Estava namorando um baiano, ficamos noivos e vim a Salvador conhecer a família dele. Neste dia da foto, pedi para conhecer Itapuã, por causa das canções de Caymmi. Depois da Pituba, nada mais era asfaltado. Na época era uma estradinha de terra batida, difícil chegar lá. Era um caminho bem deserto, só com a natureza imponente. Quando chegamos em Piatã, Toninho me disse que a praia já era conhecida como Placa Ford. Pedi para tirar uma foto ali, apenas como recordação mesmo. Na época achei muito engraçado uma simples placa comercial nomear o lugar. Não imaginaria que viraria uma foto histórica”, lembra a carioca, que nunca mais saiu de Salvador. “Casei e sou mais baiana que carioca”.
A placa virou nome de praia e de bairro também. “Há 35 anos moro em Jardim Placafor, um bairro que fica entre Piatã e Itapuã. Mas frequento a praia daqui há 50 anos, desde quando vinha acampar com a turma, aos 18 anos de idade. Era só coqueiro, areia e a placa. Um paraíso”, lembra o aposentado Atilano Muinhos.
Para a escritora Aninha Franco, a placa fazia parte da paisagem, numa época em que a praia era frequentada por jovens, hippies e intelectuais. “Quando o Porto da Barra enchia, corríamos para a praia de Piatã, na placa da Ford. A placa fazia parte da natureza. Era quase um coqueiro. Estava lá sempre. Ela levou anos morando lá e nos sinalizando que ali tinha um mar muito especial. Morro de saudade daquele tempo”, diz.
A placa já não existe mais, assim como a fábrica da Ford em Camaçari, que ficará apenas nos anais históricos do estado. Contudo, se serve de alento, dê mais uma olhadinha na foto de Ayeska. Curiosamente, na frente da placa da Ford está um fusquinha, da Volks, se destacando. Aqui tudo tem sua importância, sim. Mas nada é insubstituível.
Outros ‘batismos’ curiosos em Salvador
Piatã
Antes da Av. Octávio Mangabeira, a orla de Salvador entre Amaralina e Itapuã se chamava São Tomé. Um empresário chamado Hebert Rocha Vaz abriu uma fábrica de óleo de coco e batizou de Piatã, que em Tupi significa Fortaleza. A fábrica saiu de lá, mas o nome ficou.